O Departamento de Futebol e o processo de contratação de um atleta

O torcedor quer um clube identificado, transparente e moderno, mas não há nada que o torcedor deseje mais que um time vencedor.

Para isso, no entanto, o profissionalismo, mais um de nossos princípios, deve ser perseguido à exaustão. No futebol atual, cada vez mais o método de “tentativa e erro” na montagem das equipes, representado pela informalidade das ações, resulta em fracassos no âmbito esportivo. Em estudo realizado pelo observatório CIES1 entre 2019 e 2020, mediante a análise de 1.014 clubes de 50 países diferentes no período, concluiu-se que o Avaí foi o clube que mais utilizou jogadores no mundo. Foram 59 jogadores em 33 partidas. Apenas na atual temporada, o Avaí já contratou 28 atletas para o elenco profissional e chega agora ao seu quarto treinador no ano.

Diante desse contexto e observados os recentes resultados esportivos – que estão intimamente ligados –, fica clara a necessidade de uma mudança estrutural e no conceito de fazer futebol. Para nós, um time vencedor e que represente o seu torcedor deve ser formado com a adoção de metodologias de contratações adequadas ao que o futebol de alto rendimento exige.

Como deve ser o norte do futebol de um clube profissional?

Acreditamos que o primeiro passo para a construção de um departamento de futebol forte seja a escolha, por parte do mandatário, de um Executivo de Futebol para exercer o comando da pasta, observando-se critérios como preparo e experiência. Com a definição do nome, será realizada uma análise ambiental e uma análise competitiva para definir objetivos e traçar estratégias, considerando o orçamento disponível e as competições que serão disputadas.

Se, por exemplo, o Avaí disputará uma série B, é natural que o anseio seja sempre de buscar o acesso e o título. Caso dispute a primeira divisão, é compreensível que os objetivos não sejam de brigar, de imediato, por posição de destaque no campeonato, buscando primeiramente uma permanência duradoura na Elite e, posteriormente, definir metas mais ambiciosas.

Ato contínuo, o Executivo montará o organograma do Departamento de Futebol, definindo, de forma profissional, os responsáveis por cada cargo, inclusive o de treinador, trazendo alguém com as características de trabalho necessárias para implementar as estratégias traçadas, sendo também garantido o fortalecimento do Núcleo de Inteligência do Futebol.

O Departamento de Futebol e a metodologia de contratação

É fato que, no futebol, o fator imprevisibilidade faz parte do jogo. Não há certeza no mundo da bola, e inúmeros são os fatores que separam o sucesso e o fracasso. Muitas vezes, elencos formados com grandes expectativas não correspondem dentro de campo, e outros, de onde pouco se imaginava, surpreendem e conquistam ótimos resultados.

No entanto, essa imprevisibilidade não é absoluta, e tampouco deve ser utilizada como justificativa automática em caso de insucessos. A montagem de um elenco de futebol deve ser baseada em métodos para que se diminua consideravelmente a margem de erro. Se a utilização das metodologias mais profissionais possíveis não traz certeza de êxito, o que pensar da adoção de práticas ultrapassadas e poucos profissionais? Quanto mais longe da aleatoriedade e do acaso o clube trabalhar, mais perto do sucesso estará.

Qualquer clube de futebol deve buscar montar o melhor plantel possível pensando em retorno técnico e econômico, de forma que tenha êxito esportivo, mas garanta sua subsistência e a continuidade de um trabalho sustentável. No Avaí, um clube que não figura entre os mais abonados do país, isso deve ser observado de forma ainda mais criteriosa. As limitações financeiras aumentam o grau de importância de acerto em cada decisão tomada pelo departamento de futebol profissional, destinatário da maior parte dos recursos previstos no orçamento do clube, atividade-fim da instituição e alvo de maior preocupação por parte do torcedor, devendo trabalhar com margem de erro próxima a zero.

O primeiro passo para a otimização dos recursos é a estruturação interna no departamento de futebol. Acreditamos em uma estrutura bem definida, com atribuições específicas a cada integrante, procedimentos-padrão e hierarquia, até para que se apure, com mais precisão, as responsabilidades. Não se considera viável a coletivização das decisões em “comitê gestor” que coloca, lado a lado em termos decisórios, do diretor principal da pasta ao auxiliar técnico. Por óbvio, a opinião dos profissionais envolvidos na área deve ser considerada no processo de decisão, mas dentro de um procedimento administrativo específico.

O absoluto protagonismo, por exemplo, do treinador no processo de montagem de elenco pode ser bastante danoso. Algumas práticas no futebol brasileiro indicam uma preponderância de tais profissionais nos rumos do departamento, que vez ou outra acabam sacados poucos jogos depois em função dos resultados. Não se nega, no entanto, a importância do treinador no processo de formação do elenco, que deve estar em consonância com o estilo de jogo adotado e características necessárias para tal. Nesse contexto, o treinador auxilia na definição do perfil e pode indicar determinadas contratações, que deverão passar pelo crivo do Departamento de Futebol como todas as demais, analisando não somente o seu retorno técnico, mas também o seu custo-benefício ao clube.

Exemplificando: o clube eventualmente necessita de um extremo com alto percentual de sucesso nos duelos individuais e boa finalização. Nesse processo, o treinador acaba fazendo a indicação do atleta “A”. No entanto, o jogador solicitado tem situação contratual complexa, gerando alto custo ao clube e pouca possibilidade de retorno financeiro. Em outro sentido, o Departamento de Futebol, em análise detalhada, tem em seu banco de dados o jogador “B”, que realiza a mesma função e cumpre as características solicitadas, sendo mais jovem, financeiramente mais rentável e com a possibilidade do mesmo retorno técnico. Ainda que o treinador tenha pedido um jogador, o clube trará o outro, pois atenderá melhor aos objetivos da instituição. Resumindo: o treinador pode definir o perfil, mas não decide o nome.

Primordial destacar a importância da aplicação de tecnologias e métodos científicos que assumam protagonismo nas ações de mercado, com indicativos que permeiem as ações do clube nas aquisições e transferências, tornando-as menos pessoais e intuitivas. Para isso, o Núcleo de Inteligência e Formação tem papel fundamental, contemplando maiores atividades de scouting, com desenvolvimento de relatórios que indiquem as melhores opções de investimento.

Nos tempos de hoje, em qualquer setor da sociedade – e no futebol não seria diferente – o trabalho com Big Data é primordial para o alcance de bons resultados. Foi-se o tempo em que um encarregado pelas contratações iria até uma cidade do interior, veria um jogador bater na bola e, com base em seu empirismo, indicaria por si só que esse atleta seria o futuro do clube. Diversas plataformas trazem dados e conteúdo dos mais diversos sobre qualquer atleta, diminuindo de forma preponderante o risco na sua contratação.

Frisa-se que não se defende uma análise cega dos números. Através deles é impossível compreender um jogador em sua integralidade. É necessário combinar a análise quantitativa com a qualitativa, sob pena de termos uma visão míope do todo. Por isso é cada vez mais necessária a habilidade dos responsáveis pelo Departamento de Futebol.

Como analisar a contratação de um possível reforço?

Tratando-se da formação do elenco, acreditamos que, para se contratar um atleta profissional, o Departamento de Futebol deve observar quatro pilares fundamentais do jogador: técnico/tático, físico, psicológico e social.

A questão técnica e tática é autoexplicativa. É analisar se o atleta domina os fundamentos técnicos para a execução de sua atividade e a noção tática do jogo. É importante ressaltar, nesse ponto, a necessidade de o responsável pela contratação ter ciência do que procura para o seu elenco. Se, por exemplo, o clube joga em um estilo de jogo com linhas baixas e transição rápida e está em busca de um lateral, deve, assim, buscar um jogador com as características que se encaixe na função, com boa composição da linha defensiva, força e velocidade. Eventualmente, no nosso exemplo, existiriam outros laterais de boa qualidade, mas que não se encaixariam no plano de jogo e, portanto, não supririam a necessidade do plantel.

Para tanto, a utilização de dados é fundamental, existindo diversas ferramentas que podem auxiliar os responsáveis para a tomada adequada de decisão, considerando fatores como retrospecto recente, qualidade no passe, na finalização, jogo aéreo, percentual de êxito em duelos defensivos/ofensivos, nível técnico de competição que costuma disputar, dentre outros.

Existem diversas plataformas que auxiliam nesse trabalho, como Wyscout, InStat, SofaScore etc., utilizáveis em conjunto com um sistema interno do próprio clube para a compilação de dados.

Questão primordial em qualquer modalidade esportiva, a parte física é fundamental para o bom desempenho do atleta profissional. De nada adianta se ter uma parte técnica apurada se o atleta não está em níveis físicos aceitáveis. Há inúmeros exemplos de jogadores com um grande talento, mas que não conseguem render no alto nível em razão da falta de competitividade decorrente de forma física inadequada. Para além dos dados convencionais de fisiologia, diversas informações devem ser consideradas nesse aspecto, como o histórico de lesões, intensidade, distâncias percorridas nos jogos, entre outros.

O perfil psicológico é outro quesito extremamente relevante, que pode ser analisado por números, como também por consultas aos profissionais que trabalharam previamente com o atleta. Como reage esse jogador em partidas decisivas? Como se posiciona em jogos com placar apertado? Como é seu rendimento na reta final de uma partida? Como se adapta em arenas hostis ou com a pressão da própria torcida? No futebol, sabe-se da importância do fator confiança e do equilíbrio na tomada de decisão para o atleta profissional, e identificar atletas que tenham esse atributo pode ser o diferencial na obtenção dos resultados esportivos.

Por fim, o aspecto social é outro aspecto fundamental para uma contratação. É importante avaliar como reage o atleta à hierarquia, como interage com seus companheiros de elenco, como é sua relação com a torcida e com a comunidade. O atleta, em última análise, é a máxima representação de uma instituição, que é muito mais do que onze jogadores, e que carrega toda sua história e tradição. A análise do aspecto social também facilita na identificação do torcedor com aquele grupo de jogadores, refletindo em diversas outras áreas do clube.

Como já citado no início do texto, a aplicação dessa metodologia ainda assim não garante o sucesso do atleta, diante da imprevisibilidade envolvida no futebol, mas certamente representa um caminho para o fortalecimento do Departamento de Futebol e aumento da competitividade do Avaí perante os adversários, que, cada vez mais, adotam métodos modernos e inovadores para elevar o seu desempenho esportivo. Nesse sentido, teme-se que o Avaí, atrelado a práticas ultrapassadas, seja superado por tais oponentes, distanciando-se da mudança de patamar que tanto almejamos.​​​

1 https://globoesporte.globo.com/sc/futebol/noticia/avai-e-o-clube-que-mais-utilizou-jogadores-no-periodo-de-um-ano-no-mundo-aponta-estudo-do-cies.ghtml

*** O texto foi escrito em conjunto por Vinícius Bello, Sócio-torcedor do Avaí, advogado e ex-colunista da Paixão Azurra no Jornal Hora de Santa Catarina, e Fábio Salum, Conselheiro do Avaí, advogado e estudante da CBF Academy e FGV/FIFA.

Publicado por Vinícius Bello

Advogado. Bacharel em Direito pela Universidade do Sul de Santa Catarina (UNISUL). Fui Colunista da Paixão Azurra no Jornal Hora de Santa Catarina (2018 - 2020).

Um comentário em “O Departamento de Futebol e o processo de contratação de um atleta

  1. Texto muito pertinente a bem escrito, parabéns aos envolvidos! Que o Avaí possa se profissionalizar e considerar os temas aqui elencados.

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