Desafios da gestão no futebol brasileiro

Para se alcançar sucesso em qualquer atividade, é importante que o profissional saiba interpretar o funcionamento básico, ou seja, a lógica que existe por trás desta atividade. A partir desta constatação, deve haver uma administração competente, responsável e criteriosa. Caso contrário, o fracasso não tardará. Seja numa indústria, numa rede de supermercados ou numa organização esportiva.

Não é raro encontrar empresários de sucesso em seus ramos de atividades que fracassaram na direção de um clube de futebol. Tentaram levar para o clube a lógica de suas corporações, esquecendo que o “mundo da bola” possui uma série de peculiaridades que o diferencia do mundo corporativo em geral, como a emoção e a imprevisibilidade do resultado.

No mundo corporativo existe uma hierarquia que preserva a instituição e a cadeia de comando, algo quase impossível de ser observado no esporte. Esta dificuldade de preservar a hierarquia no esporte, e principalmente no futebol, provoca conflitos inevitáveis quando sabemos que temos de lidar com pessoas muito heterogêneas em todos os aspectos (cultural, acadêmico, econômico, social etc.), em que os limites (naturais no mundo corporativo) são muito mais difíceis de serem aceitos e observados no ambiente esportivo.

Quando falamos de ídolos, então, o problema é maior, pois ações, declarações ou informações pessoais (salários, investimentos, questões familiares, posições políticas etc.) repercutem com muita intensidade e exigem, no âmbito da gestão esportiva, uma estratégia de comunicação adequada para minimizar eventuais problemas e prejuízos para a organização.

Por outro lado, não raro vemos pessoas que ocupam postos diretivos dos clubes agirem como torcedores. Por exemplo, contratando ou demitindo jogadores e treinadores sem nenhuma racionalidade, em decisões imediatistas que raríssimas vezes trazem algum benefício para o clube.

Maurício Macri, ex-presidente na “época de ouro” do Boca Juniors e que revolucionou a gestão do clube tornando-o multicampeão, dizia: “Presidente de clube só pode ser torcedor no domingo”. Traduzindo: no dia a dia tem que agir de forma fria e racional.

Ferran Soriano (ex-vice-presidente do Barcelona e atual CEO do Manchester City), no livro “A bola não entra por acaso”, é definitivo: “Dirigentes eleitos têm que dar orientação na direção estratégica e política do clube. Deixar quem não é profissional tomar decisões esportivas é a forma mais fácil de errar”.

Por fim, lidar com a ingerência política e governamental, principalmente nas grandes organizações esportivas, é um dos principais desafios para o desenvolvimento de uma gestão eficaz e profissional. O esporte (sem generalizar) sempre foi e sempre será usado para propaganda política e promoção pessoal, quando não para relações promíscuas e enriquecimento ilícito (exemplos não faltam).

Os dirigentes esportivos ao redor do mundo entenderam esta nova ordem que envolve a indústria do esporte e vêm desenvolvendo estratégias para atingir um público com perfis segmentados, ou, no caso dos clubes, para atrair um maior número de adeptos às suas cores. Nos Estados Unidos, temos os exemplos na NBA (liga de basquete), NFL (futebol americano), MLS (futebol) e NHL (hóquei no gelo), que estão expandindo sua comunicação de marketing para fora dos EUA.

Na Europa, clubes como Bayern de Munique, Manchester United, Manchester City, Liverpool, Chelsea, Real Madrid, Barcelona e Juventus, entre outros, transformaram-se em marcas globais e investem pesado em todas as áreas que envolvem uma gestão eficiente como forma de aumentar suas receitas e mantê-los competitivos.

Outra questão importante é que o caminho escolhido para a formação esportiva em nosso país tem sido o de desenvolver talentos para o esporte de alto rendimento. Todavia, penso que a promoção da prática esportiva deve obrigatoriamente possuir objetivos muito maiores e mais amplos.

É preciso entender o esporte como uma poderosa ferramenta de educação, inclusão, formação e desenvolvimento pessoal, profissional e social de crianças e jovens, devendo ter como meta, priorizar a formação do cidadão de forma integral.

A seleção da Alemanha campeã mundial em 2014 tinha nove jogadores que já haviam passado pelos bancos universitários e o time “B” do Barcelona possui hoje 14 universitários. O estudo é tratado de forma primordial nas categorias de base dos países desenvolvidos.

No mundo esportivo e, principalmente, no futebol, são pouquíssimos os atletas que conseguem atingir um nível que lhes permita viver do esporte. Como apenas uma minoria consegue ser profissional de sucesso (de cada 3 mil atletas que entram nas escolinhas dos clubes brasileiros, apenas UM se torna profissional), é fundamental trabalhar desde cedo no seu desenvolvimento como cidadãos, caso contrário, terão imensas dificuldades em redirecionar suas vidas.

Estamos avançando, mas os desafios da gestão no futebol brasileiro ainda são gigantescos.

Por Renato Marsiglia, membro titular da Autoridade Pública de Governança do Futebol (APFUT), que tem por finalidade fiscalizar e disciplinar o cumprimento no Programa de Modernização da Gestão e de Responsabilidade Fiscal do Futebol Brasileiro (Profut). Graduado em Ciências Econômicas (UFRGS), Comunicação Social/Jornalismo (Ulbra-RS) e Gestão Executiva em Esportes (FGV/Fifa/Cies), com pós-graduação em Análise de Sistemas e Computação (PUC-RS). Pertenceu ao quadro internacional de árbitros da Federação Internacional de Basquete (Fiba) de 1974 a 1981 e ao quadro internacional de árbitros da Federação Internacional de Futebol (Fifa) de 1989 a 1994, tendo apitado a Copa do Mundo dos Estados Unidos (1994) e atuado como instrutor de árbitros da Fifa de 1994 a 2000. De julho de 1998 a dezembro de 2018 atuou como comentarista esportivo da Rede Globo e do SporTV.

Publicado por Felipe Ferreira Bem Silva

Jornalista. Sócio do Avaí desde 2006. Conselheiro entre 2011 e 2013. Coautor do livro “1973: Encontro marcado com seus dias de glória”.

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